Por Neco tabosa, editor do www.filipetadamassa.blogspot.com e do Fino da Massa
Renato Cinco é carioca e formado em sociologia. Gilberto Borges é recifense e historiador. Dois dos organizadores das marchas da maconha mais importantes do Brasil nessa primeira década do século XXI simplesmente não entendem como eles parecem conhecer melhor os princípios do jornalismo do que os repórteres e editores que cobrem o assunto nos jornais de grande circulação.
“No Rio, como no Recife, os jornalistas que vão cobrir as marchas têm uma vaga noção do que está acontecendo” diz Cinco. Diante dos textos publicados no dia seguinte à marcha do Recife, a pedido do Ombudspe, os dois fizeram considerações à cobertura. As informações desencontradas vão do número de participantes ao total desconhecimento (manipulação?) dos termos corretos para diferenciar manifestantes de infratores.
“A gente já sabia que os jornais iam tratar o assunto assim. Se falam dos usuários o ano inteiro de forma preconceituosa, porque ia ser diferente na marcha?” pergunta Gilberto.
A Rádio Jornal e o “panfleto ensinando a fumar maconha”
Em 2010, a maré de informações mal apuradas despontou nas ondas do rádio. Cinco dias antes da marcha no Recife, o radialista Geraldo Freire recebeu no estúdio da Radio Jornal o Secretário – empossado há menos de uma semana na Secretaria de Defesa Social – o linha dura Wilson Damásio. No finzinho da entrevista, surge a provocação.
“O Senhor sabe que esse ano vai ter no Recife uma passeata chamada marcha da maconha? Que já tem data marcada e a organização já está distribuindo panfletos ensinando a fumar maconha?”
No susto, o Secretário engole a corda.
“Isso é uma atividade criminosa, a difusão desse tipo de entorpecente é considerada crime pela nossa lei especializada da área. Vamos trabalhar junto com as Polícias Militar e Civil para que isso não ocorra Não podemos, de forma nenhuma, concordar com esse tipo de manifestação. (…) Vamos fazer o possível para proibir”
O repórter Eduardo Machado puxa a corda lançada pelo companheiro e o Secretário dá uma rebolada pra não dizer nem sim nem não.
“Então está proibida a Marcha da Maconha no Recife?”
“A marcha pode ser feita desde que não traga nada que configure crime. (…) É dever da Secretaria de Defesa Social reprimir esse evento, no entanto, vamos consultar o Ministério Público sobre o tema e acatar a decisão que eles tomarem sobre o assunto”.
Pronto. Não adiantava mais explicar que a policiais não fazem leis, só cumprem leis e acatam interpretações sobre pontos polêmicos conforme decisões julgadas em fóruns como o Ministério Público. Que o “panfleto ensinando a fumar maconha” se tratava de dicas de redução de danos aplicadas à saúde dos usuários de maconha, como manda a cartilha do Ministério da Saúde, e sob a linha de ‘informação sem frescura’, que posicionou o Brasil em lugar de destaque no mundo no enfrentamento à propagação da Aids.
“Assim, esse radialista está fazendo política. Não jornalismo. Parece ate a Veja falando do MST” avalia Renato Cinco.
Gilberto Borges representa a Se Liga! – primeira associação de usuários de álcool e outras drogas da América Latina, entidade que assinou as dicas de redução de danos “Isso é uma opinião ou só jornalismo sem investigação? Daquele que não apura com os dois lados envolvidos? Até eu sei que isso vai de encontro aos manuais de jornalismo. (risos)
A peleja da desinformação
Depois dessa transmissão, nos jornais impressos, a questão passou a ser a polêmica peleja do Secretário contra a organização da marcha da maconha.
No dia seguinte à declaração, os promotores do Ministério Público – apesar da sede de proibição do Secretário – anunciaram que não pretendiam entrar com representações para impedir a realização do ato. E publicou em nota à imprensa: “Não é razoável presumir que a simples realização da marcha estará atrelada à prática de crimes (como apologia e uso de maconha)”
No mesmo dia, organizadores da marcha foram recebidos – por 15 minutos – pelo Secretário.
As notícias publicadas faziam crer que a marcha só foi liberada porque o Secretário teria proibido o uso de maconha no ato…
“A marcha da maconha (…) no Bairro do Recife, vai acontecer, mas será proibido o consumo da erva durante o evento. Pelo menos esse foi o entendimento entre os organizadores e o Secretário Wilson Damázio.” – Jornal do Commercio, 30/04/2010
“Fica parecendo que a intenção desse tipo de cobertura é construir uma imagem de que a marcha é um lugar pra fumar. Ao contrario do que a organização – e a legislação brasileira, desde os anos 60 – pregam.” aponta Renato Cinco.
Manchete de capa: Usuário é preso na marcha
A informação: houve uma infração criminal na concentração da Marcha da Maconha do Recife em 2010. Edielson Gomes, artesão de 24 anos foi flagrado com 5 (cinco) gramas de maconha. Ele foi encaminhado ao Departamento de Repressão ao Narcotráfico (Denarc), onde assinou um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e foi liberado.
As distorções espalhadas pelas páginas dos jornais fizeram as matérias sobre a marcha parecerem jogos dos 7 erros dos cadernos de cultura. Vejamos.
Erro 1: O usuário foi detido para investigação e liberado em seguida. Não foi preso.
Desde 2006, de acordo com a lei 11.343, usuários de drogas não são mais privados de liberdade por essa infração. Quem for flagrado com quantidades interpretadas como “para uso próprio”, e não para tráfico, são detidos para investigação. Não são mais presos.
“A marcha é um ato coletivo. Ordeiro, respaldado pela Constituição Federal de organização pública e manifestação do pensamento. Uma pessoa fumando na marcha é um ato pessoal isolado. Infração que contraria a orientação da organização de não fumar no ato” Renato Cinco.
Erro 2: algumas matérias que cobriram a marcha não foram assinadas
Reportagens assinadas pelos autores facilitam a identificação de eventuais falhas na apuração. Essa prática de suprimir a autoria do texto é usualmente associada a “determinações” dos editores ou da direção do jornal para comprovar algumas teses. Como a de que a marcha da maconha é hora e local para se fazer uso dos baseados.
Erro 3: “Ano passado, quando não havia proibição do uso da erva (a marcha) contou com cerca de mil pessoas” - Jornal do Commercio, 03/05/2010
Wilson Damásio proibiu o consumo de maconha no Recife a partir de 2010? Ou o Jornal legalizou os baseados nos anos anteriores? Não ficou muito claro…
“E a lei brasileira permitia o uso de maconha no ano passado? Quem liberou? O JC?” (risos) Gilberto Borges.
Erro 4: “…segundo a polícia, ele (o artesão detido) portava um dólar (sic) de maconha”
Dóla / dólar ou dolinha são substantivos femininos. Qualquer maconheiro sabe disso. O jornalista invisível não?
Erro 5: “…os participantes gritaram palavras de ordem como ‘Um, dois três / quatro, cinco mil / queremos que a maconha legalize no Brasil”
Outro erro semântico. Mas esse foi bem reproduzido pelo jornal, a culpa é toda dos manifestantes. Eles não querem que a maconha SEJA LEGALIZADA no Brasil? Querem que a maconha legalize? Que a maconha legalize o que? E mais importante, como a plantinha vai fazer isso?
Erro 6: Mais de 50 policiais fardados e à paisana. Mais de duas dezenas de viaturas, motos e um helicóptero acompanharam a marcha.
Em dia de clássico entre Sport e Náutico, para evitar eventuais brigas entre torcidas… o efetivo da policia não seria melhor utilizado nas imediações dos estádios? A marcha da maconha nunca registrou uma briga em três anos de realização no Bairro do Recife. E o acompanhamento a passeatas como as do movimento LGBT, de entidades feministas ou da cultura Afro são escoltados por muito menos policiais. Se não foi errada, a decisão do Secretário não foi – ao menos – exagerada?
Erro 7: “Políticos que defendem a causa tomaram a palavra ao microfone conectado ao carro de som”
O jornalista invisível preferiu mesmo usar o espaço de cobertura da marcha para aproximar os leitores do enigmático sistema elétrico de propagação de som?? Nesse caso a intenção é nobre e ele ta é certo. Essa frase não merece estar nesse jogo dos 7 erros. Eu que devo estar errado de tentar me informar sobre o que realmente aconteceu na Marcha da Maconha pelos jornais recifenses.