4 de mai. de 2009

txt: processo 001.2009.109617-1 - Juiz Alípio Carvalho Filho / vídeos: seed

veja como foi a transmissão ao vivo feita pelo blog do JC. acesse todos os vídeos aqui

ESTADO DE PERNAMBUCO

PODER JUDICIÁRIO – COMARCA DO RECIFE

2ª VARA CRIMINAL DOS FEITOS RELATIVOS A ENTORPECENTES

 

D E S P A C H O

 

Processo 001.2009.109617-1

 

EMENTA: Medida Cautelar. Proibição de realização

da Marcha pela Maconha. Movimento de âmbito

nacional. Expressão de liberdade de pensamento

sobre a descriminalização do uso da maconha.

Direito assegurado pela Constituição Federal.

Liminar indeferida.

 

                        Vistos, etc.

 

I – BREVE RELATO

 

 

1.                     O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, através seu Representante Legal, aforou a presente AÇÃO CAUTELAR INOMINADA COM PEDIDO LIMINAR, com o objetivo de “impedir a realização da denominada “Marcha da Maconha” nas ruas do Recife Antigo, prevista para o dia 3 de maio de 2009, a partir das 14h00, alegando que: a) colheu informações através da Internet da organização de um evento denominado “Marcha da Maconha”, o qual está previsto para ocorrer no dia 3 de maio de 2009 (...) tendo como finalidade a apologia ao consumo da referida droga”. b) “Por se tratar de substância entorpecente, o incentivo ao seu consumo, através de um evento público, (...) perfaz a adequação à figura típica prevista no art. 33, inciso 2º, da Lei 11.343/06 (...) e “sobram indícios do cometimento do ilícito de apologia ao crime, estatuído no art. 287, do Código Penal

 

2.                     Acrescenta o Parquet que não se cogita de “proibição à liberdade de expressão”, pois “considerando o princípio de proporcionalidade e de que vivemos em um Estado Democrático de Direito, razoável limitar o direito à expressão quando este direito esbarra numa liberdade pública de alta relevância aos interesses sociais”

 

3.                     O pedido cautelatório veio instruído com extratos de comunicação, via Internet, entre as pessoas apelidadas por “Gojoba”, “Neco Tabosa”, “Álvaro Lobo”, “Pintolico” e “P.T.” (fls. 09/10), notícias de proibição da “Marcha da Maconhaem João Pessoa (fls. 11/16) e na Bahia (fl. 17), e sobre a realização do evento, em 2008, apenas em Recife (fls. 18/19). Anexou ainda a RDC 07, de 26.02.2009, que lista as drogas de uso controlado (fls. 20/37)

 

II – FUNDAMENTOS JURÍDICOS

 

4.                     A prova documental acostada aos autos dá conta de que um grupo de jovens, identificados apenas com os apelidos de “Gojoba”, “Neco Tabosa”, “Álvaro Lobo”, “Pintolico” e “P.T.”, fazem convocações para a realização da “Marcha da Maconha no Brasil”, com destaque para o evento em Recife. Nas referidas convocações destacamos os seguintes trechos:

 

                                    “Galera beleza, este ano estamos dando continuidade a organização do movimento anti proibicionista em nosso estado, a  reunião vai rolar hoje as 19 h no DCE da universidade católica de PE. Só com organização e agindo coletivamente, vamos avançar em nossa luta pela legalização da maconha
(“Gojoba”, fl. 09. Grifo da transcrição)

 

                                    “Pô galera, na boa, não penso q esse assunto deva ser tão grande importância, pois todo mundo sabe q vai ter polícia, isso é uma grande bobagem, pois em toda a marcha sempre se fumou... É até legal q a sociedade veja que numa grande reunião de fumacê, não acontecem grandes problemas, pelo menos por parte dos maconheiros... e quem tiver medo de que proíbam a marcha, pense bem o q é estar num movimento por liberdade... estaremos na praça proibida ou não...” (“Álvaro Lobo”, fl. 10)

 

                                    “de fato, é ilusório achar que ninguém em nenhuma marcha vai fumar... o movimento tem que aceitar as possibilidades do incontrolável, mesmo como forma de expressão daquilo que a Marcha abarca: as posições dos indivíduos que são pela discussão do atual cenário legal da maconha(“P.T.”, fl. 10. Grifo e Negrito da transcrição),

 

5.                     Não vislumbro nas declarações acima transcritas qualquer indução ou instigação ao uso da maconha (L. 11.343/2006, art. 33, inciso 2º), nem enxergo no caso qualquer ato que configure a alegada apologia ao crime (CP, art. 287)

 

6.                     Os Internautas pretendem realizar o mencionado Evento com o objetivo de “luta pela legalização da maconha” ou “discussão do atual cenário legal da maconha”, uma manifestação de pensamento que lhe é assegurada pela Constituição Federal: “é livre a manifestação do pensamento...”(art, 5º, inc IV); “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, ...” (art. 220, caput)

 

7.                     O que se destaca nas convocações acima transcritas é a preocupação dos propagadores do Evento com a possibilidade de uso da droga por participantes da Marcha, o que foi interpretado pelo Ministério Público como Indução ou Instigação ao uso da droga e como apologia ao crime, atos e atitudes punidas pelo art. 33, inciso 2º, da Lei 11.343, de 23.08.2006, no primeiro caso, e pelo art. 287 do Código Penal, na segunda hipótese.

 

8.                     No Estado Democrático de Direito, assegurado pela Carta Magna da República não há como coibir a realização da pretendida Marcha da Maconha, assim como não se tem proibido os movimentos, eventos ou marchas empreendidas, aqui e alhures em prol da descriminação do crime de aborto (CP, arts. 124 a 128)

 

9.                     A propósito, o renomado constitucionalista brasileiro JOSÉ AFONSO DA SILVA ensina:

 

                                   “’Liberdade de pensamento’ – segundo Sampaio Dória – ‘é o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em Ciência, Arte, ou o que for’. Trata-se de liberdade de conteúdo intelectual e supõe o contato do indivíduo com seus semelhantes, pela qual ‘o homem tenda, por exemplo, a participar a outros suas crenças, seus conhecimentos, sua concepção do mundo, suas opiniões políticas ou religiosas, seus trabalhos científicos” (Comentário Contextual à Constituição, Malheiros Editores, Rio de Janeiro, 2009, pp. 89/90)

 

10.                   A realização da pretendida Marcha pela Maconha, todavia, não isentará seus organizadores e participantes de responsabilização por prática dos crimes tipificados nos arts. 28 e 33 a 39 da Lei 11.343, de 26.08.2006, e 287 do Código Penal, caso sejam flagrados atos que configuram tais delitos.

 

11.                   Desta forma, a referida Marcha pela Maconha deverá ser acompanhada pelas autoridades policiais, especialmente, pelo Departamento de Repressão ao Narcotráfico, para garantir, na forma do art. 144 e inciso 4º da Constituição Federal, a segurança pública e a apuração de qualquer infração penal ocorrente.

 

12.                   Em se tratando de MEDIDA CAUTELAR SATISFATIVA, ficam prejudicados os pedidos contidos nas letras B e C da inicial.

 

13.                   A postulação contida na letra D deve ser perseguida através de ação própria, no caso, representação junto à Autoridade Policial para instauração do competente Inquérito, com pedido de quebra de sigilo eletrônico e outras medidas congêneres, se necessário, para identificação e possível indiciamento dos pretensos agentes criminosos.

 

III – DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

 

14.                   Diante do acima exposto, considerando tratar-se de uma Cautelar Satisfativa:

 

a)      INDEFIRO o pedido liminar de suspensão da Marcha pela Maconha, prevista para o dia 03 de maio do corrente ano pelas ruas do Recife Antigo; e

b)      DETERMINO às Autoridades Policiais o acompanhamento regular de sua realização, na conformidade da Lei.

 

15.                   INTIME-SE o Requerente.

 

16.                   OFICIE-SE a Secretaria de Defesa Social

 

Recife, 24 de Abril de 2009

Alípio carvalho Filho

Juiz de Direito

 

Ciente, em 30/04/2009

José Correa de Araújo

Promotor de Justiça

2 comentários:

Guilhermé disse...

Pode soar piegas, mas me emociona, como advogado e cidadão, quando o judiciário exerce seu papel de garantidor das liberdades sociais.

São raras as cabeças "arejadas" no judiciário nacional, o veto da marcha em outros estados mostra isso, parabéns ao juiz que proferiu a decisão.

É isso aí, Cajú!

neco tabosa disse...

é verdade.

aqui nesse país a gente até estranha quando um cara desses toma a atitude mais correta!

vamo nessa carioca.
tenham uma boa marcha aí!